quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Pobreza, uma realidade desconcertante

Testemunho solicitado por Carlos Neves, da Cáritas Diocesana de Coimbra, para uma sebenta sobre a pobreza.

A pobreza é uma realidade complexa, com muitas facetas. Não se pode olhar para ela de uma forma simplista, nem fácil, nem descomprometida. Dando o meu testemunho, posso dizer que, por um lado, vejo a crueldade, ignorância e incompreensão de tantas pessoas; por outro lado, descubro em mim muitas barreiras que me impedem de compreender e actuar.
A desconfiança! Minha e dos outros. Pergunto-me muitas vezes: será que esta associação que me vem pedir é credível? Será que esta pessoa precisa mesmo ou me está a enganar? Também oiço muitas pessoas a dizer que não dão para este ou aquele peditório porque acham que depois nada é entregue àquele destino.
Uma culpa associada à pobreza! O caso do drogado ou do alcoólico. A desorientação daquele que se endivida comprando obsessivamente coisas supérfluas que depois não pode pagar, chegando ao ponto de haver alguns dias em que não tem dinheiro, por exemplo, para algo tão básico como almoçar! Perante estes casos surge a pergunta: é uma espécie de doença ou trata-se de uma culpa moral com o consequente castigo? Como agir quando a própria pessoa é, de algum modo, culpada pela situação de pobreza que vive? Não sei, mas é, sem dúvida, desconcertante! É fácil dizer «foi bem feito, quem o mandou meter-se naquilo?». No entanto, a caridade lembra-nos que se trata de um caso de pobreza para resolver.
A hipocrisia e a má vontade de tantas instituições responsáveis a nível local, tais como: autarquias sempre adiam “sine die” as soluções dos problemas concretos, ou que sempre encontram um oportuno entrave burocrático ou de jurisdição; assistentes sociais que deixam perpetuar casos “eternos”; comissões locais onde apenas se fala mas não se age.
A incompreensão da pobreza associada a outras misérias: álcool, droga… Destaco, sobretudo, a prostituição: na cabeça da maioria das pessoas, as prostitutas continuam a ser mulheres preguiçosas que fizeram uma opção pela vida fácil para ganhar dinheiro sem esforço ou até pelo prazer! Mas… será (sempre) assim?
Outro aspecto muito importante e que nem sempre é claro para toda a gente: a pobreza não significa necessariamente miséria! Por isso, a pobreza nem sempre é visível, por isso tantas vezes nos escapa sem que sejamos sequer capazes de a identificar. Uma pessoa ou família pode ter necessidade de alguns bens importantes e passar algumas privações mais ou menos graves sem, no entanto, viverem um grau de pobreza extrema.
A pobreza raramente é visível: tanto é real em pessoas que parecem de nada precisar como é fingida em pessoas que vivem bem embora aparentem passar miseravelmente. É uma realidade complexa e que eu sinto, acima de tudo, como algo profundamente desconcertante aos mais variados níveis.

sábado, 9 de outubro de 2010

Domingo XXVIII do Tempo Comum, ano C

A lepra era considerada um dos piores castigos de Deus. Achava-se, na mentalidade errada da época, que Deus punia com a lepra os piores pecadores. Os leprosos eram considerados impuros, eram corridos à pedrada, viviam em lugares à parte, lugares impuros como os cemitérios. Sentiam-se rejeitados por todos: pelos homens e até por Deus.
Na 1ª leitura, Naamã é um general estrangeiro (sírio) que, leproso, recorre a Eliseu. Eliseu nem sequer se dignou vir à porta saudá-lo, mandou um criado dizer-lhe que se fosse banhar sete vezes no Jordão. Naamã ficou indignado e queria vir-se embora, mas acabou por cumprir o que o profeta lhe mandou fazer, depois de o terem convencido que não tinha a perder nada. E Naamã é curado não só da lepra da pele, mas também e principalmente da lepra da alma, porque se converteu do paganismo à fé no Deus Vivo.
No Evangelho 10 leprosos suplicam a Jesus por piedade mantendo-se à distância, como mandavam as regras de saúde e de pureza legal religiosa. Os judeus e os samaritanos não se davam, eram inimigos, mas a desgraça da lepra une judeus e samaritanos. Quando são saudáveis combatem-se; mas a consciência da sua desgraça comum torna-os solidários. A sua oração é comunitária: eles vão ter com Jesus juntos, não vai cada um por si; a salvação não é individualista, não é o intimismo do “cada um por si”. Tanto na 1ª leitura como no Evangelho o curado que se mostra agradecido é um estrangeiro: uma vez mais, os estranhos estão mais dispostos a dar glória a Deus do que os filhos do seu Povo. O estrangeiro é símbolo daquele que é diferente de nós e nos causa desconfiança, por ser desconhecido; mas é a nossa cegueira que nos impede de ver a sua riqueza. Foi o único a perceber que a oração não é só pedir e nunca é chantagem, mas é sobretudo acção de graças.
O número 10 significa a totalidade (os 10 dedos das mãos): os 10 leprosos são a humanidade inteira, que está distante de Deus (suplicam a Jesus mantendo-se à distância), porque todos nós somos impuros. Ora, a Palavra de Jesus é eficaz, actua à distância, eles não precisam de se aproximar. Por vezes, sentimos Deus longe, tal como as comunidades para quem S. Lucas escreve o Evangelho, que eram cristãos que já não tiveram o privilégio de conhecer Jesus pessoalmente. Portanto, Lucas escreve para pessoas como nós. Escreve para pessoas que se perguntam: será que Deus, lá longe no céu, se preocupa comigo? Será que Ele tem tempo para pensar em mim, ou se preocupa com o meu desespero? Será que ele ouve os nossos gritos por socorro? A Palavra de Deus é tão poderosa e eficaz que para ela não há barreiras nem distâncias. Basta que confiemos nela, porque, como diz Jesus ao samaritano curado da lepra, «a tua fé te salvou!».
Tanto na 1ª leitura como no Evangelho, a cura da lepra não é imediata: acontece ao fim de 7 banhos no Jordão ou durante o caminho. A nossa cura leva o seu tempo, a cura de qualquer mal de que soframos leva o seu tempo. Todos sofremos de lepra, isto é, todos somos impuros e estamos afastados de Deus. Todos temos na pele a marca do que sofremos e também a marca do pior que somos capazes de fazer (e fazemos de facto!). A cura acontece pelo caminho e não de repente. Na verdade, a nossa cura é sempre progressiva, não acontece de um momento para o outro. É normal que confessemos sempre os mesmo pecados, porque só fazendo caminho é que nos vamos curando, só gradualmente é que a nossa carne voltará a ser tenra como a de uma criança, como a de Naamã, depois de se banhar sete vezes. E Deus salva todos, tanto os agradecidos e como os ingratos. Cura todos gratuitamente, sabendo que apenas um voltaria para agradecer.
Pai do Céu, dá-nos um coração agradecido e ajuda-nos a viver e a agir para a tua glória. Ámen.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

1 padre por m2

Um padre por metro quadrado
JÁ!

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Vou ler para aprender

Para nós, cristãos católicos, Jesus está realmente presente no pão e no vinho consagrados: embora o pão e o vinho continuem a saber a pão e a vinho, a sua essência torna-se outra; o seu aspecto e constituição física são de pão e vinho, mas a sua essência é a pessoa do próprio Senhor Jesus, vivo e ressuscitado. Os irmãos protestantes defendem a “consubstanciação” (ou “impanação”), ou seja, dizem que a presença de Jesus no pão e no vinho é apenas simbólica e que dura apenas durante aquele momento da celebração; e que depois até se poderia deitar fora porque o Senhor já não estaria no pão e no vinho. Nós, porém, como católicos, cremos na “transubstanciação”, ou seja, defendemos que Jesus está presente no pão e no vinho realmente, e não apenas simbolicamente; e que esta presença divina dura para além da celebração, pelo que as hóstias consagradas devem ser adoradas com fé e amor e defendidas da profanação, porque elas são o próprio Deus! Na verdade, antes eram pão, mas aconteceu uma transformação do seu ser (= transubstanciação) durante a Missa, na consagração. Portanto, se alguém cometeu pecado mortal (isto é, grave) não deve comungar sem antes se purificar através de uma confissão bem feita.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Saudação a Nossa Senhora do Mont’Alto

Senhora do Mont’Alto, olha os teus filhos que aqui estão e enchem esta esplanada do teu templo. Hoje estão todos aqui. Eles são de Arganil e não só. Vieram de toda a região e de tantos lugares de Portugal e do estrangeiro. E eu vejo as imagens em que aparecemos nós todos de joelhos debaixo do teu manto e tu de mãos postas a rezar por eles e por mim. Estamos lá todos porque todos somos importantes. Estar aqui, nestas esplanadas da tua casa é como estar debaixo desse teu manto, contigo, de mãos postas, a pedir por nós.

Estão aqui todos. Ouve a prece de todos! Alguns estão desempregados. Muitos e muitas sofrem toda espécie de violência dentro da sua própria casa. Tantas pessoas que estão aqui, nesta noite, e não encontram paz nem debaixo do próprio tecto. E tantos outros que estão separados, com a família desfeita, com filhos num corrupio de casa em casa. Acolhe-nos a todos! Ouve a prece de todos!

Mãe, ensina-nos a dizer contigo: «A minha alma engrandece o Senhor, porque olhou para a humildade da sua serva.» Tu, Mãe, percebeste que só quando o Senhor é engrandecido é que nós também somos engrandecidos. Mas muitas vezes fomos enganados e pensámos que quando Deus é engrandecido nós somos humilhados. Alguém se lembrou de nos dizer que Deus é nosso concorrente. Alguém se lembrou de nos dizer, ao longo de todos estes últimos anos, que Deus é uma coisa de mortos. Alguém se lembrou de nos dizer que Deus é contra a nossa liberdade. E nós (pobres de nós!) acreditámos. Acreditámos que quando Deus é exaltado nós somos tolhidos. Acreditámos que Deus nos impediu de comer um fruto proibido só por capricho. Acreditámos que Deus é contra a nossa liberdade. E, então, criámos as nossas próprias “liberdades” que, afinal, são prisões. Achávamos que a corrupção, as cunhas e os subornos eram uma boa maneira de nos desenrascarmos, mas o único lucro foi a crise. Muitos, principalmente entre os mais jovens, procuraram a liberdade na droga, mas encontraram uma nova prisão. Queríamos liberdade, mas herdámos estilhaços. Estamos partidos, divididos, fragmentados. Ouve a prece de todos. Acolhe-nos a todos!

Hoje lembro quando era criança e via a nossa igreja por três vezes repleta em cada Domingo. Olha, Mãe, quantos saíram e ficaram órfãos sem se aperceberem do mal que faziam a si mesmos. E olha quantos continuam na Igreja mas com uma tal frieza que nem parecem teus filhos nem filhos de Deus. Continuam em casa mas parecem empregados da casa em vez de filhos. Hoje estão cá todos: os que nunca saíram da Igreja e cá estão sempre; e aqueles que saíram mas ainda voltam em ocasiões como esta, atraídos por ti. Vêm atraídos pelo teu suave perfume, porque cheiras a Mãe. E nós estamos órfãos, precisamos de Mãe. Mesmo aqueles que se zangaram com Deus Pai, porque pensavam que Ele era um pai tirano, ainda se lembram de ti como Mãe. Acolhe-nos a todos! Ouve a nossa prece!

Abençoa-nos, Mãe, porque agora, mais do que nunca, estamos a precisar da tua bênção! Dá-nos o teu Filho, que trazes ao colo e que é a Vida verdadeira. Abençoa as nossas empresas, maiores ou mais pequenas, e todos os que trabalham nelas ou que por conta própria lutam pelo pão de cada dia. Abençoa as nossas escolas. Que elas sejam espaço de crescimento para a verdadeira liberdade, e não lugar onde se ensine que Deus é um mito. Que as nossas escolas sejam espaços de abertura de horizontes para os nossos jovens darem o seu melhor e saírem da mediocridade. E é tão grande a tentação de ficar pela mediocridade! Tão grande! Abençoa os políticos que nos governam, para que sejam servidores interessados apenas no bem comum. Abençoa também aqueles que se dedicam à comunidade de forma voluntária, para que sejam sempre generosos e salva-os da estéril vaidade. Abençoa os nossos grupos paroquiais que se dedicam ao anúncio do Evangelho: que sejam anunciadores de Jesus Cristo, e não de si mesmos.

Mãezita, abençoa principalmente as nossas famílias. Dá-nos famílias fortes, que façam crescer homens e mulheres fortes para o futuro. Tu, que tiveste um único amor, dá-nos um coração uno, sem divisões, porque a um Deus único corresponde um amor único. E se o coração for único será forte e terá amor suficiente para todos em casa e também fora de casa. Dá-nos famílias fiéis, onde as pessoas não desistam umas das outras, porque Deus também é fiel e nunca desiste de nós!

Mãezita, há tantos casais onde o peso de uma vida a dois é todo suportado um só! E outros onde ambos deixam cair o jugo comum sem sequer se aperceberem. Mãe, tu que és mestra em questões de amor, ajuda-nos perceber que o amor não é o momento, mas é construído com o tempo. Ajuda-nos a viver o amor como uma chama que precisa de ser alimentada todos os dias para não se apagar.

Mãe, dá-nos pais e mães maduros, que saibam educar os filhos para vida como ela é. Que saibam ser pais em vez de colegas. Que se façam presentes e activos na vida dos filhos em vez de os deixarem entregues à deseducação de si mesmos.

Mãezita, olha a vida tão difícil que as famílias de hoje suportam. As exigências económicas que não deixam os casais ter muitos filhos e que são tantas vezes causa de discussão e desarmonia entre todos em casa.

Mãe, aqui viemos mais um ano, acolher-nos debaixo do teu manto. Ouve a nossa prece! Que o teu suave perfume nos atraia sempre a todos. Que estas velas que seguramos na mão (as velas do nosso baptismo!) se mantenham sempre acesas, como sinal de que somos (e queremos ser!) teus filhos. Mãezita, abençoa-nos por mais um ano. Ámen.
Mont’Alto, 15 de Agosto de 2010

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Homem Novo - Acaférias 2010

Jovem,


Ser Homem Novo é manter-se sempre jovem. Ser Homem Novo e Mulher Nova é olhar o mundo com olhos novos, mesmo que a pele em volta dos olhos ganhe pés de galinha e outras rugas.


Ser Homem Novo e Mulher Nova é olhar os outros homens e mulheres com um olhar que é novo, porque é o olhar primeiro, o olhar de Deus no “princípio”, quando Ele os criou à Sua imagem.


É descobrir a Beleza que o próprio Deus pôs em nós, ainda que tantas vezes esteja disfarçada ou desfigurada por nós próprios.


É assumir o Compromisso forte de quem sabe que só a Entrega nos dá uma grande Liberdade, mesmo que isso pareça contraditório.


Ser Homem e Mulher Novos é saber conciliar o equilíbrio entre a Justiça e a Partilha.


Ser Novo é casar a Sinceridade com a Responsabilidade e saber que só com as duas ao mesmo tempo é que podemos falar.


Só podemos ser Homens Novos graças a Deus, percebendo que a Santidade não está acabada mas é um caminho que se faz todos os dias um bocadinho, por pouco que seja.


Mas deitamos tudo isto a perder se não tivermos Fidelidade a Deus, aos amigos (e não só…), a nós próprios, ao compromisso que assumimos…


Ser jovem é um “pormenor” que passa com o tempo. Mas ser Homem Novo pode (deve!) durar toda a vida.


És Jovem. Já és Novo?


Texto de abertura do cancioneiro do Acaférias 2010 (acampamento dos jovens das nossas paróquias), Poço da Cruz, Barra de Mira, 23 de Julho a 2 de Agosto de 2010.

sábado, 17 de julho de 2010

Deus, hóspede no meio de nós

Domingo XVI do Tempo Comum, ano C

A hospitalidade é um valor supremo para os nómadas do deserto. Deus quer ser nosso hóspede. Esta é a verdade da encarnação. «A Palavra fez-Se homem e veio habitar connosco.» João 1, 14
Também hoje Ele espera o nosso acolhimento:
«Eu estou à porta e chamo: se alguém ouvir a minha voz e Me abrir a porta, Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e ele coMigo.» Apocalipse 3, 20
Mas, muitas vezes, o acolhimento é-Lhe negado:
«Veio para o que era seu, e os seus não o receberam.» João 1, 11
«Mas, a quantos o receberam, aos que nele crêem, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus.» João 1, 12

Como dar uma boa hospedagem ao Senhor que nos visita?
As duas funções de Marta e de Maria são necessárias! Marta que faz as coisas práticas, que resolve os problemas concretos e que é preciso resolver, que se atarefa a cozinhar para que haja alguma coisa na mesa para comer; e Maria, que faz um “trabalho” que não é menos necessário: ouvir a Palavra de Deus.
Jesus não censura Marta por trabalhar, mas sim por andar agitada. Podemos trabalhar muito, mas se, antes do trabalho, não reservarmos um momento para estar sentados aos pés de Jesus a ouvir a sua Palavra, então toda a canseira que temos perde o sentido. Atirar-se de cabeça à vida e ao trabalho sem silêncio para oração e escuta da Palavra é gastar-se de maneira estéril, inútil.
Temos que ser Marta e Maria ao mesmo tempo! «Marta e Maria hão-de andar sempre juntas para hospedar bem o Senhor: para O ter sempre consigo, e não Lhe fazer má hospedagem não lhe dando de comer. Como lho daria Maria, sentada sempre a seus pés, se a sua irmã não lhe ajudasse?» Santa Teresa
«Maria escolheu a melhor parte». O ser humano não pode ser reduzido àquilo que faz nem àquilo que produz. A pessoa humana vale por aquilo que é, e não por aquilo que rende.
«Maria escolheu a melhor parte». A Igreja atarefa-se em actividades pastorais por vezes muitíssimo absorventes e stressantes. Se não paramos para ouvir a Palavra de Deus toda essa actividade se transforma em activismo vazio.
A Igreja também se esforça a prestar assistência social, e tem centros sociais (lares de terceira idade, creches, …), a Igreja tem grupos de acção sócio caritativa. E é estimada por isso na sociedade civil. Mas se não gasta tempo a ouvir a Palavra, torna-se mais uma empresa humana, como tantas outras.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Homila da Missa Nova

Igreja matriz de Arganil, 3 de Julho de 2010, Domingo XIV do Tempo Comum, ano C

Rogai, portanto, ao dono da messe que mande trabalhadores para a sua messe.

Porquê pedir a Deus que envie operários para a sua seara? Deus não precisa de ser convencido a enviar operários para a sua messe. Mas fazemos esta oração por causa de nós próprios. Não tanto para convencermos a Deus mas para nos convencermos a nós. É impossível pedirmos a Deus que envie trabalhadores sem nos sentirmos comprometidos a sermos também, nós próprios, enviados. Quando eu rezo a Deus para enviar operários eu próprio acabo por dizer a mim mesmo que estou disponível para ir. E quando peço a Deus que envie alguém isso faz com que eu acabe por Lhe dizer também: «Aqui estou eu, envia-me!». Foi o que se passou comigo. Comecei a pedir a Deus que enviasse apóstolos, evangelizadores. E o pensamento mais lógico que se seguiu foi, precisamente «E porque não eu?». Este é o pensamento mais lógico que se segue porque estamos a pedir a Deus uma coisa tão nossa, uma coisa da qual sentimos que fazemos parte (porque é da Igreja que se trata), que acaba por não ter sentido nenhum pedi-la sem nos sentirmos implicados. Acaba por não ter sentido nenhum dizer «Envia os outros», ou então «Envia os filhos dos outros». Não. Se eu rezo ao Senhor para enviar trabalhadores para evangelizar e se rezo isso com o coração então não digo «Envia os outros», mas digo antes «Envia os outros e envia-me também a mim!».
Foi o que aconteceu comigo. Ao princípio nem queria ir. Mas o Senhor moldou-me o coração aos poucos. E fui pegar num livro dos evangelhos que o Sr. Reitor Manuel Contumélias nos tinha entregue no final do quarto ano de catequese, no Mont’Alto. Arrumei o livro na estante e nunca mais lhe liguei. Mas um dia deu-me a curiosidade de o descobrir. E houve duas passagens que me marcaram. Uma delas foi esta, «A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, portanto, ao dono da messe que mande trabalhadores para a sua messe». A outra foi «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres» (Lucas 4, 18a), a frase escolhida para as estampas de ordenação e missa nova. Comecei a rezar e senti-me enviado. Porque quando rezamos pelas vocações sentimo-nos vocacionados e enviados. Enviados como leigos, como padres, como missionários… É através desta oração que o Espírito Santo faz nascer vocações. É daqui que nascem cristãos leigos empenhados e com consciência missionária. É daqui que nascem também os padres. Olhando só às aparências, e vendo as coisas só com o nosso pobre olhar humano, Arganil pode parecer que se está a tornar cada vez mais um terreno árido para a fé. Não é verdade! É precisamente aí, nos lugares onde aparentemente (aparentemente!) só há deserto, que o Espírito Santo nos surpreende. Mais ou menos como a Natanael que, ao saber que Jesus era de Nazaré, disse: «De Nazaré pode vir alguma coisa boa?». Mas o Apóstolo Filipe respondeu-lhe: «Vem e verás!» (João 1, 46). Então o que nos falta é isto: deixarmos de olhar para as nossas terras com um olhar derrotista como se já não houvesse fé ou como se Deus nos tivesse abandonado.
Mas pedir ao Senhor da messe que envie trabalhadores também nos serve para outra coisa ainda: serve para nos dar humildade. Serve para tomarmos consciência de que é Ele que nos envia, não somos nós que nos enviamos, nem é mais ninguém que nos envia. E por isso é a Ele que anunciamos, não nos anunciamos a nós próprios. Jesus envia os setenta e dois aos pares, e não sozinhos, para que não se sintam donos da missão. E envia-os para prepararem chegada de Jesus Cristo: portanto isso é que interessa, e não as nossas habilidades pessoais, nem o nosso sucesso. Ser discípulo não é uma carreira, porque a Igreja não é uma empresa! Rezar ao Senhor da messe liberta-nos da presunção e transforma-nos em apóstolos verdadeiros.
Precisamos de continuar a pedir ao dono da messe que envie operários para a sua messe. Mas pedir com o coração! E pedir com o coração é dizer «eu estou aqui: envia-me também! Faz de mim um testemunho eficaz para todos os que me vêem todos os dias». Pedir com o coração é dizer «aqui está o meu filho: se o chamas para padre leva-o e faz dele um apóstolo fecundo!». Porque é que continuamos, teimosos, a recusar estas coisas? Afinal Jesus Cristo é importante para nós ou não? Será que amamos Jesus Cristo o suficiente para irmos e para deixarmos ir os nossos? Ou será que Jesus Cristo, para nós é só um conjunto de ideias e de valores? É que as ideias não se amam, estudam-se. E os valores qualquer pessoa os tem, até os não crentes. Ninguém dá a vida por valores nem por ideias abstractas. Mas se Jesus Cristo for para nós uma Pessoa viva, que nos ama e que nos chama, então entregamo-nos a Ele. No dia em que começarmos a viver Jesus Cristo assim, rezaremos ao Senhor da seara para que envie trabalhadores para a sua seara; e haverá padres; e as igrejas vão encher-se de cristãos sinceros que, ao sair de lá, vão levar a alegria que é Jesus Cristo a todas as pessoas que encontrarem.

sábado, 26 de junho de 2010

Domingo XIII do Tempo Comum Ano C

Quem põe a mão ao arado e olha para trás não serve para o Reino de Deus.
Seguir Jesus.
Seguir Jesus é cortar com tudo aquilo que é incompatível com Ele. Quem segue Jesus faz-se a um caminho onde é preciso renunciar a tantas coisas a que estamos apegados e nem sempre nos fazem bem.
Mas quantas vezes, depois de aderirmos a Jesus Cristo, ficamos a olhar para trás, a “chorar as cebolas do Egipto”! Quantas vezes pegamos no arado do seguimento de Jesus olhando com inveja o pecado que outros gozam e que nós sentimos como um caminho que nos está “lamentavelmente” vedado!
Mas ser cristão não é apenas renunciar. Ser cristão é seguir Alguém bom, Alguém que sentimos que é o maior dos bens. Seguir Jesus é ser como aquele coleccionador de pérolas que descobre uma pérola muito melhor do que todas as outras e vende toda a sua colecção para a comprar. Seguir Jesus é descobrir Alguém muito melhor do que todos esses caminhos desviados que abandonámos mas que às vezes ainda invejamos ou olhamos com saudade.
Seguir Jesus não é aderir a umas ideias com base no cristianismo. Não amamos as ideias. As ideias não se amam, estudam-se. As pessoas, sim, a essas é que nós amamos. Seguir Jesus é amar uma pessoa viva, não é seguir ideias. Só esse amor pessoal é que nos pode dar força para renunciar. Seguir Jesus é mudar de vida: o encontro com Ele é um encontro com uma pessoa tão viva que nos faz diferentes a partir daí. Na primeira leitura Eliseu queima o arado, símbolo da profissão que teve até aí, para indicar que vai passar a ter uma nova vida.
Nós, que pegámos neste arado, olhemos em frente e, em vez de chorarmos olhando para trás, para as coisas que deixámos, olhemos em frente para as coisas muito melhores que Jesus Cristo nos dá.

sábado, 12 de junho de 2010

Domingo XI do Tempo Comum ano C

A pecadora que chora aos pés de Jesus e os enxuga com os cabelos em casa do fariseu Simão
A confissão (sacramental) é um acto de humildade. Muitos não são capazes!
Quem não quer reconhecer os seus pecados vai-se justificando com desculpas superficiais. Vai dizendo (aos outros e a si mesmo, enganando-se a si próprio) que não tem pecados, mas apenas erros normais, porque “errar é humano”…
«A tua fé te salvou: vai em paz.» Apesar das desculpas fáceis, o remorso persiste: só o reconhecimento do mal que fizemos e a aceitação do perdão de Deus é que nos trazem a paz.
A mentalidade de Simão fariseu é a mentalidade:
- De quem está convencido que não erra, porque cumpre escrupulosamente todos os seus preceitos religiosos;
- De quem está convencido que consegue comprar a salvação com as suas obras, por mérito próprio;
- E de quem se acha autorizado a julgar outros porque acha saber com toda a certeza se estão salvos ou condenados.
Era também a mentalidade de Paulo, até descobrir Jesus Cristo e chegar à conclusão de que a salvação é dom que Deus nos dá e que nos dá de graça: não é uma conquista nossa, não somos nós que a compramos com os nossos méritos. São Paulo descobre que a salvação não está em cumprir à risca os preceitos da pureza legal, descobre que a Lei não salva: a Lei só aponta um caminho; a Lei é apenas um juiz que me indica que errei aqui e ali, neste e naquele preceito. Mas não me dá o perdão por eu ter falhado neste ou naquele ponto; indica-me que falhei ali, mas não me absolve. O perdão só Jesus Cristo é que mo pode dar. Só Ele é que o dá e dá-o de graça. Dá-o de graça porque eu não o mereço: eu sou um pecador do pior! Um miserável que faz maldades! Mas Ele ama-me mesmo assim, perdoa-me de graça porque me ama. A salvação é grátis porque não é fruto de eu a merecer, mas porque Deus ma dá apenas e só porque me ama.
Então o que é que falta para esse perdão acontecer?
Falta saíres da tua casca.
Falta aceitares esse perdão.
Falta deixares de ser convencido e de te enganares a ti próprio a dizeres que não tens pecados.
Falta não teres vergonha de te ajoelhares à frente de Jesus Cristo sem medo de Lhe chorares aos pés.
E falta deixares de ver os outros pecadores (pecadores como tu! e tu como eles!) com olhos de maldade e de condenação para os começares a olhar com os mesmos olhos com que Jesus os olha.
Só é perdoado quem ama.
Falta começares a amar, porque só ama quem é capaz de pedir perdão. E só consegue perdoar quem já se sentiu necessitado de perdão.
Se amas verdadeiramente a Deus então vais conseguir admitir que fizeste aquilo que é mal. Porque se O amas sentes que Ele te ama. E por isso não vais ter medo de te apresentar manchado diante dEle. Vais apresentar-te diante dEle como és, para pedir perdão, e não para te orgulhares inutilmente dos teus alegados méritos.
E vais começar a olhar os outros de maneira diferente, porque quem sente a alegria do perdão ama e perdoa. Porque reconheces a compaixão de Deus e vais viver também essa compaixão quando olhares os outros.
Jesus, Coração de bondade, perdoa-nos e faz-nos participar da tua compaixão.
Bibliografia: José-Román Flecha, Mesías y Señor, Edibesa.

domingo, 25 de abril de 2010

Onde é que estava Deus?

Deus estava , onde sempre esteve! O Crucificado continua a sofrer hoje. No sismo, na guerra, na violência, principalmente contra os inocentes, na fome, na miséria, em todo o lado onde nos parece que Ele está ausente é precisamente aí que Ele está! Ele sempre esteve a sofrer com os que sofrem. A pergunta certa não é «onde é que está Deus?», mas sim «onde é que estou eu?»; a pergunta certa não é «o que é que eu penso de Deus?», mas «o que é que Deus pensa de mim?»: isso é que é importante! Ele, o Crucificado, sempre esteve lá. Ele é o único que encarna a vida humana na sua totalidade, o único Deus que assume todo o sofrimento. Onde alguém sofre, Ele sofre. Por isso é que a nossa fé não é vaga, nem alienada, nem “etéreo-gasosa”; por isso é que a nossa fé não se perde nas nuvens, mas assume tudo aquilo que a vida é. Por isso é que a vida eterna não é uma coisa de mortos, mas é aquilo que começamos a viver aqui, agora, já! Na verdade, a vida eterna é o convívio com Deus.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Contradições de hoje

Nestes tempos hipócritas um Padre não pode chegar à soleira da porta da igreja e abrir a boca para bocejar porque isso é um atentado contra a liberdade religiosa e contra o Estado laico.

sábado, 10 de abril de 2010

Ver para crer

João 20,19-31
João escreve para cristãos do fim do século I, que já não tinham conhecido Jesus nem talvez nenhum dos doze apóstolos e têm dificuldade em acreditar. Queriam, como nós queremos tantas vezes, ver com os próprios olhos, tocar, ter provas de que Jesus ressuscitou. Tomé é o símbolo dessas dificuldades.
«Felizes os que viram», dizemos nós. Mas Jesus responde-nos: «Felizes os que acreditam sem terem visto». Não é por termos mais mérito, ao realizarmos uma tarefa mais difícil, porque não é de méritos que se trata. Somos felizes porque acreditamos com mais amor gratuito. Gratuito porque acreditamos sem provas.
Apesar de Tomé ter exigido tocar, não é dito no texto que ele, depois, tenha de facto tocado. Não precisou de tocar: viu e ouviu e fez a mais bela e completa profissão de fé em todo o evangelho segundo São João. Na verdade, o título «meu Senhor e meu Deus», no contexto bíblico, só é aplicável ao próprio Yahweh, com Quem São Tomé identifica Jesus. «A fé vem pelo ouvido»: «Eu sou o Bom Pastor, as minhas ovelhas escutam a minha voz». As ovelhas conhecem a voz do Pastor e vão a correr para Ele, sem necessidade de aparições.
No Dia do Senhor os discípulos estão em casa e o Senhor aparece a dar-lhes a paz. «Casa» significa a Igreja, a comunidade. E é no Domingo e oito dias depois (e todos os oito dias!) que o Ressuscitado os visita. Eles também são os mesmos, mais um, menos um… É aqui, em casa, que encontramos o Ressuscitado. No Dia do Senhor e todos juntos! É aqui que ouvimos a voz (a Palavra!) do Ressuscitado, que nos leva a professar a fé, como São Tomé. Quem anda à espera de provas para acreditar provas é coisa que nunca encontrará. Jesus recusa-se a fazer milagres para dar provas. Não O podemos ver, mas basta-nos ouvir a Sua voz. Não há provas, nem dEle nem contra Ele: o que há é a disponibilidade do nosso coração para O ouvir e acolher. Se O quisermos acolher tê-lo-emos connosco; senão, também não teremos provas.
Quem fica sozinho no Dia do Senhor podendo vir à casa da comunidade, quem se recusa a reunir dizendo que reza sozinho, que se confessa a Deus e não precisa da Missa porque faz as suas orações… talvez tenha (ou não) uma experiência de Deus, mas não tem experiência do Ressuscitado, porque é quando nos reunimos que Ele nos visita.
O Evangelho segundo São João conclui (concluía na redacção inicial) dizendo que foi escrito «para acreditardes» e «para que, acreditando, tenhais a vida». Até aos apóstolos custou a acreditar, de tão sobrenatural que é o acontecimento da ressurreição. Do mesmo modo que nem muitos dos que viram os milagres de Jesus acreditaram. «Quando vier o Filho do Homem encontrará fé sobre a terra?» Quem sabe até que ponto Jesus Cristo não terá sido o único verdadeiro crente! A fé é um passo arriscado, mas temos que ser nós (cada um de nós) a dá-lo! Exige de nós uma confiança profunda, como a que precisa a criança que avança desamparada para os braços estendidos da mãe quando aprende a andar. Se estivermos à espera de umas muletas em vez de arriscarmos avançar, mesmo com o medo de cair, nunca vamos aprender a andar. Temos que confiar no Pai, em vez de estar à espera que Ele nos segure sempre, se queremos aprender a caminhar.
Senhor Jesus, meu Senhor e meu Deus, eu creio, mas aumenta a minha fé!
Domingo II da Páscoa, ano C

sexta-feira, 9 de abril de 2010

A Páscoa

Origem da festa da Páscoa
A Páscoa começou por ser uma festa de pastores nómadas anterior a Moisés e comum a outros povos para além do povo hebreu. Era a festa da Primavera, quando a vida recomeçava, quando os pastores partiam com o gado em busca de novas pastagens. Na primeira lua cheia da Primavera sacrificava-se um cordeiro (Êxodo 3,18) cuja carne era assada ao fogo e comida com pão sem fermento e ervas amargas. Comia-se em situação de quem estava em viagem. O sangue do cordeiro (sangue, símbolo da vida) era aspergido sobre as entradas das casas ou tendas como prece para que fosse protegida a vida das pessoas e dos animais

A Páscoa e o Êxodo
É este rito pastoril que os israelitas vão transformar na sua mais importante festa: a festa comemorativa da sua saída da escravidão do Egipto. Páscoa significa passagem: passagem da não-vida para a vida, a primavera do povo de Deus, a maneira extraordinária como Deus os reuniu, os libertou, os fez nascer como povo. Mas esta celebração nunca foi um simples recordar, não era pensar nos antepassados que foram, há séculos, libertos da escravidão. Não! Em cada geração, cada membro deste povo, ao celebrar todos os anos a Páscoa, há-de considerar-se a si mesmo como salvo do Egipto. Celebrar o Êxodo é torná-lo vivo, presente, é sentir que hoje Deus nos liberta de tantos "egiptos". É também uma festa de futuro, de esperança escatológica: celebrar a Páscoa é atirar-se na esperança para um futuro de vida que esperamos do SENHOR.

A Páscoa de Jesus
A Páscoa de Jesus é a sua passagem deste mundo para o Pai. Na última ceia, Ele antecipa sacramentalmente a Sua entrega livre e consciente. Toda a Sua vida foi um fazer-Se pão partido para dar vida à humanidade (João 6); agora, em plena ceia da Páscoa judaica, Ele apresenta-Se como o verdadeiro Cordeiro pascal, que Se vai oferecer em sacrifício pela vida de todos. E a Páscoa judaica, recordação e esperança da grande libertação, é transformada, ultrapassada em absoluto: agora a Páscoa torna-se a libertação completa do pecado e da morte, torna-se o dom completamente gratuito da vida. É a Páscoa de Jesus!

A nossa Páscoa
Pela celebração da eucaristia, esta Páscoa de Jesus, embora seja irrepetível, torna-se presente aqui e agora, para nós! É viver hoje a salvação de Jesus, de uma maneira ainda mais perfeita do que os judeus vivem hoje o Êxodo, apesar de terem passado séculos. E é esperança escatológica para o futuro. Celebrar a Eucaristia é tomar parte na doação pessoal de Jesus. É memória que torna presente Deus que actuou no passado em nosso favor, que actua no presente e há-de continuar a actuar no futuro. Cristo é a nossa Páscoa: viver a Páscoa é viver o próprio Cristo imolado e ressuscitado.

Publicado no Astrolábio, boletim das paróquias de Ervedal da Beira, Lagares da Beira, Lageosa, Lagos da Beira, Meruge, Seixo da Beira e Travanca de Lagos.
Bibliografia consultada: António Maria Bessa Taipa, O Mistério da Páscoa, in A Celebração do Mistério Pascal - Tríduo Pascal (VIII Encontro Nacional de Pastoral Litúrgica), Boletim de Pastoral Litúrgica, Fátima Janeiro/Setembro de 1983, páginas 7 a 18.

quinta-feira, 11 de março de 2010

O matrimónio é mais antropológico do que jurídico

O matrimónio responde à realidade antropológica do ser humano, que existe sempre no masculino ou no feminino. São duas formas distintas e complementares de ser: de pensar, de sentir, de se manifestar, de se comportar, de agir...
O matrimónio responde a essa condição dupla de ser pessoa humana, à necessidade antropológica que homem e mulher sentem de compartilhar a sua existência com quem, a partir da diversidade do sexo, demonstra ser o amigo verdadeiro (Gn 2, 23-24). Na verdade, trata-se de uma realidade antropológica, muito antes de ser sócio-jurídica.

Ora, não estarão as recentes leis portuguesas (e estrangeiras, mais ou menos recentes) sobre os casamentos homossexuais a reduzir o matrimónio a uma realidade jurídica, esquecendo completamente a sua essência antropológica? Creio que sim! De facto, é só na medida em que se considera o matrimónio como uma realidade exclusivamente jurídica que é possível alterar a sua configuração, porque a legislação é feita pelo homem e pode ser por ele alterada, enquanto a realidade antropológica é anterior a qualquer decisão, mesmo à decisão político-legislativa.

quarta-feira, 3 de março de 2010

As catástrofes naturais e o verdadeiro sentido da vida

Nos últimos dias as más notícias, as grandes más notícias, como terramotos, enxurradas, ventos, mortos e feridos (umas vezes às dezenas e outras aos milhares) têm-se sucedido de uma maneira pouco comum… Ainda nem digerimos o choque de uma notícia e já estamos a receber outra.

Que se passa com o Céu para mandar tantas desgraças sobre a terra? São acontecimentos dolorosos que sucedem: não é Deus que os manda, não são castigos, não são vinganças como se Deus estivesse ressentido por ter sido esquecido pelo mundo. Contudo, estas desgraças podem tornar-se, de alguma forma, um momento de graça, se forem reflectidas por nós: estes acontecimentos são uma chamada de atenção para o verdadeiro sentido da vida.

Por vezes, podemos viver a vida perdendo-nos apenas no seu aspecto material, sem pensar em mais nada senão em enriquecer, procurar o luxo, as farras… As calamidades mostram-nos até que ponto esses bens são efémeros: não devemos por neles todo o sentido da nossa vida, porque podemos perdê-los de um momento para o outro. Muitas vezes, enganados por falsas promessas de felicidade, também nós nos afastamos de Deus, convencidos de que podemos encontrar a alegria e a paz sem Ele. Mas depois acabamos por nos encontrar sós e desiludidos, agarrados a seguranças passageiras numa condição de fracasso e de morte. Temos, portanto que nos agarrar ao Eterno. Temos que gozar este mundo mas sabendo que ele está sempre a mudar e que uma felicidade completamente depositada apenas no material pode ir por água abaixo na próxima enxurrada ou desmoronar-se no próximo terramoto. Tudo isto nos faz pensar (embora quase não o consigamos engolir!) que, mesmo quando o material significa o esforço de toda uma vida, essa vida precisa de continuar apesar de aquele bem material já não existir. Precisa de continuar e de continuar com um sentido.

«E aqueles dezoito sobre os quais caiu a torre de Siloé, matando-os, eram mais culpados que todos os outros habitantes de Jerusalém? Não, Eu vo-lo digo; mas, se não vos converterdes, perecereis todos da mesma forma.» (Lucas 13, 4-5)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O sacerdócio comum e o sacerdócio ministerial

O sacerdócio ministerial é o sacerdócio dos bispos e padres (não dos diáconos); o sacerdócio comum dos fiéis é o sacerdócio de todos os baptizados. Sacerdote significa: aquele que oferece o sacrifício. E sacrifício significa oferta sagrada. Então, o sacerdote é aquele que oferece a Deus um sacrifício. Cristo é, a bem dizer, o único verdadeiro sacerdote (cf. Carta aos Hebreus): sacerdote único e eterno porque Se ofereceu a Si mesmo no altar da cruz. Ele próprio é, ao mesmo tempo, o sacerdote e a oferta.
Chamamos sacerdotes aos padres porque, agindo «na pessoa de Cristo Cabeça» (cf. Catecismo Igreja Católica nº 1548), eles oferecem no altar o sacrifício de Cristo na Cruz, actualizado através da Eucaristia. Porém, todo o baptizado é, pelo seu baptismo, sacerdote, como Cristo.
Então, sendo sacerdotes, que oferta sagrada é que oferecem a Deus? O cristão oferece a Deus em sacrifício a sua vida. Isto não que dizer que faça da sua vida um sacrifício=sofrimento, mas sim um sacrifício=oferta a Deus, oblação. Embora os seus sofrimentos também façam parte da sua oferta, pois o baptizado consagra ao seu Senhor toda a sua vida, tudo aquilo que é. Ele é consagrado pelo baptismo e pela unção do Espírito Santo para oferecer, mediante todas as obras do cristão, sacrifícios espirituais.
Este «sacerdócio comum» é o de Cristo, único Sacerdote, do qual participam todos os seus membros (cf. Catecismo nº 1141). E é o selo baptismal os compromete e os torna capazes de: servir a Deus mediante uma participação viva na santa liturgia da Igreja; e de exercer o seu sacerdócio baptismal pelo testemunho duma vida santa e duma caridade eficaz (cf. Catecismo nº 1273).
Sacerdócio comum e ministerial são duas participações no mesmo sacerdócio de Cristo, Único Sacerdote. Sacerdócio “comum” não quer dizer inferior. Bem pelo contrário, o sacerdócio ministerial (=dos bispos/padres) existe por causa do sacerdócio comum (=de todos os baptizados), e não o contrário. Na verdade, o sacerdócio comum dos fiéis realiza-se através do desenvolvimento do seu baptismo: vivendo uma vida de fé, esperança e caridade, uma vida segundo o Espírito. Ora, o sacerdócio ministerial proporciona ao baptizado os meios de que ele necessita para viver a vida divina que recebeu no baptismo. O sacerdote (padre) é um dispensador desses meios, principalmente dos sacramentos. Ninguém tem direito a ser padre: a comunidade é que tem direito a que ele seja padre!
Mas os padres continuam a viver, também, o sacerdócio comum dos fiéis. Antes de serem padres são baptizados: «Convosco sou cristão; para vós sou bispo» (Santo Agostinho).

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O Evangelho não faz biografia

Aquilo que o Evangelho nos transmitiu acerca da infância de Jesus é quase nada: os quatro evangelistas contam-nos o nascimento de Jesus e a sua subida a Jerusalém aos doze anos e mais nada: tudo o resto, até aos trinta anos (idade com que Jesus começou a sua vida pública) é um grande apagão!...

A forma de escrever dos evangelistas é muito própria. Os seus relatos não são tratados de história, nem crónicas jornalistas, nem sequer uma biografias de Jesus, mas formam um género literário próprio, à parte de todos esses: o género literário "evangelho". O evangelho é um género literário próprio que é escrito com o fim de levar os leitores à fé, a aderir à pessoa de Jesus Cristo.

É por isso que os quatro evangelistas canónicos não contam todos os pormenores da vida de Jesus: fazem apenas uma selecção que sirva esse seu fim de chamar à fé. E por isso é com grande pena da nossa parte que vemos serem omitidos pormenores que satisfariam a nossa curiosidade: não sabemos, embora gostássemos muito, como foi a vida de Jesus até aos trinta anos e nem sequer sabemos qual era o seu aspecto físico. É, de facto, pena, mas isso não interessava aos evangelistas: era bom para satisfazermos a curiosidade, mas é irrelevante no que toca a introduzir o leitor na fé levando-o a ver em Jesus o Filho único de Deus, o único Salvador e a aderir a Ele (não só à Sua mensagem ou à Sua moral, mas também à Sua Pessoa!) com toda as forças e de todo o coração. Isso é muito mais importante, e era isso que interessava aos autores sagrados

Algumas informações que haja no sentido de satisfazer a nossa curiosidade sobre pormenores da vida de Jesus, em especial acerca da infância, são baseadas, normalmente, em tradições apócrifas. Sei, por exemplo, que há uma tradição apócrifa que diz que São José morreu quando Jesus tinha 19 anos... ou que Jesus, em criança, para se divertir, brincava fazendo passarinhos de barro aos quais depois dava vida...

A Igreja não proibe a leitura dos evangelhos apócrifos como leitura piedosa (sempre pessoal), embora considere que só os 4 evangelhos canónicos é que são Palavra de Deus. E isto desde o princípio (séc. II, pelo menos, ou seja, logo pouco depois da formação dos últimos livros do Novo Testamento). De facto, desde muito cedo que escritores eclesiásticos dos mais autorizados nos transmitem que nas suas comunidades são lidos estes e aqueles livros (os canónicos), pelo que é possível fazer listas dos livros bíblicos que desde o início da Igreja foram considerados canónicos pelas diversas comunidades: os que eram lidos na liturgia, os que eram apresentados como Palavra de Deus.

Claro que ninguém nos impede de levantar hipóteses com base noutras fontes históricas (profanas, da história civil) e arqueológicas ou em suposições lógicas. Por exemplo, há quem defenda que Jesus era fariseu, apesar de criticar tanto os fariseus... O Evangelho não diz nada sobre isso, mas podemos colocar a hipótese: apesar de criticar o legalismo dos fariseus (eles levavam tudo à letra, por vezes hipocritamente), Jesus diz que existe ressurreição dos mortos, tese que também era defendida pelo partido dos fariseus, por oposição ao partido dos sadudeus, os quais negava a ressurreição. Jesus aparece mesmo em confronto com os saduceus nesta questão (Marcos 12, 18-27). Mas certezas sobre se Ele sempre era ou não fariseu...

sábado, 23 de janeiro de 2010

Oitavário pela unidade dos cristãos

Todos os anos de 18 a 25 de Janeiro

No princípio, a Igreja estava unida… Em 1050, depois de uma série de discussões teológicas e num contexto histórico polémico, houve a grande separação entre a Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas, que subsiste até hoje. No séc. XVI, o monge alemão Martinho Lutero deu início à Reforma Protestante.
Estas duas grandes rupturas, com culpas das várias partes, mantêm os cristãos escandalosamente divididos. Nos séculos após os Descobrimentos, católicos e protestantes evangelizaram o mundo, mas fizeram-no levando para as novas terras o escândalo do Corpo de Cristo dividido e em guerra.
Na última ceia, o Senhor Jesus rezou assim ao Pai: «Não rogo só por eles [os Apóstolos], mas também por aqueles que hão-de crer em Mim, por meio da sua palavra, para que todos sejam um só, como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti; para que assim eles estejam em Nós e o mundo creia que Tu me enviaste.» (João 17, 20-21). Católicos, protestantes e ortodoxos rezam o mesmo Credo, mas estão divididos há séculos… Uma Igreja assim dividida entristece profundamente o nosso Mestre e prejudica a eficácia do nosso testemunho e da evangelização. Por ocasião do encerramento do oitavário da unidade dos cristãos de 2008, Bento XVI disse:
«Na conclusão da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, estamos ainda mais conscientes de quanto a obra da recomposição da unidade, que exige todas as nossas energias e esforços, seja contudo infinitamente superior às nossas possibilidades. A unidade com Deus e com os nossos irmãos e irmãs é um dom que provém do Alto, que brota da comunhão do amor entre Pai, Filho e Espírito Santo e que nela se aumenta e se aperfeiçoa. Não está em nosso poder decidir quando ou como esta unidade se realizará plenamente. Só Deus o poderá fazer!»
Publicado também em http://arciprestado-de-oliveira.blogspot.com/ e no Astrolábio, boletim das paróquias de Ervedal da Beira, Lagares da Beira, Lageosa, Lagos da Beira, Meruge, Seixo da Beira e Travanca de Lagos.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Ano Novo, melhor ano

Há uma quadra que costumávamos cantar nas janeiras da Tuna Popular de Arganil que diz:

Ano novo, ano novo
Ano novo melhor ano.
Vimos cantar as janeiras
Como é lei de cada ano.

Mas sentimos a resistência do pessimismo… A crise económica, o desemprego… Todo isso faz vacilar a nossa fé de que virão dias melhores. Felizes seremos se, face a essa dura realidade, soubermos manter firme a esperança de que ano novo pode significar melhor ano.

A entrada num novo ano tem, na nossa mente, um efeito de purificação: é como uma folha em branco que temos pela frente, na qual podemos escrever de novo a nossa história. É como se recebêssemos uma nova oportunidade. Temos uma sensação psicológica de que as coisas se renovam e é bom que assim seja. Porque, faces às dificuldades reais, o que é preciso é este espírito de quem vê tudo com um novo olhar e espera possamos começar de novo. Porque só com este espírito estaremos em condições de enfrentar a tão dura realidade. É sabido que os doentes que sofrem a sua doença com o ânimo abatido retardam e prejudicam o seu tratamento, enquanto os que a sofrem com confiança melhoram com mais rapidez e eficácia.

Também no resto da vida é assim. Não deixemos morrer a fé de que hoje será melhor do que ontem e amanhã melhor do que hoje, porque isso também depende de nós, do modo como enfrentamos o novo ano. E temos a confiança no poder de Deus: se acreditamos no poder de Deus, veremos nos aspectos negativos apenas algo passageiro. «Erguei-vos e levantai a cabeça!» Ano novo melhor ano! Um bom 2010 para todos os leitores.


Publicado no Astrolábio, boletim das paróquias de Ervedal da Beira, Lagares da Beira, Lageosa, Lagos da Beira, Meruge, Seixo da Beira e Travanca de Lagos.

Festa das Famílias em Aldeia Formosa

A Festa das Famílias deste ano foi uma experiência muito positiva para todos os que passaram a tarde do passado Domingo, dia 3 de Janeiro, em Aldeia Formosa (Seixo da Beira), no salão da ARCAF. Houve uma redução do número de participantes em relação ao ano anterior (este ano estiveram presentes cerca de 150 pessoas), mas ganhámos pela qualidade e alegria do convívio. E nem por isso o salão da Associação de Aldeia Formosa deixou de ficar composto.



Pelas 13h30m, o grupo de casais, a quem coube a responsabilidade da preparação deste encontro e a confecção do almoço, iniciou a distribuição de um saboroso rancho pelas mesas cheias de pessoas que vieram um pouco de todas as sete paróquias. De facto, mesmo que com poucas pessoas nalguns casos, não houve nenhuma das nossas sete paróquias que não estivesse representada.



Depois do almoço, três jovens animaram o ambiente com as suas concertinas dando ocasião a um pouco de baile. De seguida, o grupo de casais, com a sua boa disposição e espírito de improviso, subiu ao palco e arrancou vivas gargalhadas dos presentes com uma divertida comédia sobre o atribulado Domingo de uma família de pessoas muito diferentes… E porque o improviso foi palavra de ordem, uma criança, o Afonso, de microfone em punho, surpreendeu toda a gente revelando-se um precoce candidato ao Festival da Canção! Seguiu-se um momento bastante aguardado. Na parede foram projectadas fotografias de todos os presépios das igrejas e capelas das nossas paróquias, que foram sujeitos à avaliação das coordenadoras da catequese no dia 27 de Dezembro. Depois de todos terem visto os presépios, foram revelados os vencedores: em 3º lugar, o das Seixas, com 104 pontos; em 2º lugar, o da igreja matriz de Meruge, com 110 pontos; e, em 1º lugar, os de Seixo da Beira e Vila Franca da Beira, ambos com 118 pontos.



Foi, sem dúvida, uma verdadeira tarde de encontro e de autêntico convívio, onde todos contactaram com pessoas vindas de lugares tão diferentes e que, apesar de relativamente próximos, são ainda muito desconhecidos. Foi, por isso, um encontro de verdadeiro convívio, porque conviveram as famílias e porque tomámos consciência da beleza da família alargada que são as nossas sete paróquias.

Publicado no Astrolábio, boletim das paróquias de Ervedal da Beira, Lagares da Beira, Lageosa, Lagos da Beira, Meruge, Seixo da Beira e Travanca de Lagos.