Testemunho solicitado por Carlos Neves, da Cáritas Diocesana de Coimbra, para uma sebenta sobre a pobreza.
A pobreza é uma realidade complexa, com muitas facetas. Não se pode olhar para ela de uma forma simplista, nem fácil, nem descomprometida. Dando o meu testemunho, posso dizer que, por um lado, vejo a crueldade, ignorância e incompreensão de tantas pessoas; por outro lado, descubro em mim muitas barreiras que me impedem de compreender e actuar.
A desconfiança! Minha e dos outros. Pergunto-me muitas vezes: será que esta associação que me vem pedir é credível? Será que esta pessoa precisa mesmo ou me está a enganar? Também oiço muitas pessoas a dizer que não dão para este ou aquele peditório porque acham que depois nada é entregue àquele destino.
Uma culpa associada à pobreza! O caso do drogado ou do alcoólico. A desorientação daquele que se endivida comprando obsessivamente coisas supérfluas que depois não pode pagar, chegando ao ponto de haver alguns dias em que não tem dinheiro, por exemplo, para algo tão básico como almoçar! Perante estes casos surge a pergunta: é uma espécie de doença ou trata-se de uma culpa moral com o consequente castigo? Como agir quando a própria pessoa é, de algum modo, culpada pela situação de pobreza que vive? Não sei, mas é, sem dúvida, desconcertante! É fácil dizer «foi bem feito, quem o mandou meter-se naquilo?». No entanto, a caridade lembra-nos que se trata de um caso de pobreza para resolver.
A hipocrisia e a má vontade de tantas instituições responsáveis a nível local, tais como: autarquias sempre adiam “sine die” as soluções dos problemas concretos, ou que sempre encontram um oportuno entrave burocrático ou de jurisdição; assistentes sociais que deixam perpetuar casos “eternos”; comissões locais onde apenas se fala mas não se age.
A incompreensão da pobreza associada a outras misérias: álcool, droga… Destaco, sobretudo, a prostituição: na cabeça da maioria das pessoas, as prostitutas continuam a ser mulheres preguiçosas que fizeram uma opção pela vida fácil para ganhar dinheiro sem esforço ou até pelo prazer! Mas… será (sempre) assim?
Outro aspecto muito importante e que nem sempre é claro para toda a gente: a pobreza não significa necessariamente miséria! Por isso, a pobreza nem sempre é visível, por isso tantas vezes nos escapa sem que sejamos sequer capazes de a identificar. Uma pessoa ou família pode ter necessidade de alguns bens importantes e passar algumas privações mais ou menos graves sem, no entanto, viverem um grau de pobreza extrema.
A pobreza raramente é visível: tanto é real em pessoas que parecem de nada precisar como é fingida em pessoas que vivem bem embora aparentem passar miseravelmente. É uma realidade complexa e que eu sinto, acima de tudo, como algo profundamente desconcertante aos mais variados níveis.
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