quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O Evangelho não faz biografia

Aquilo que o Evangelho nos transmitiu acerca da infância de Jesus é quase nada: os quatro evangelistas contam-nos o nascimento de Jesus e a sua subida a Jerusalém aos doze anos e mais nada: tudo o resto, até aos trinta anos (idade com que Jesus começou a sua vida pública) é um grande apagão!...

A forma de escrever dos evangelistas é muito própria. Os seus relatos não são tratados de história, nem crónicas jornalistas, nem sequer uma biografias de Jesus, mas formam um género literário próprio, à parte de todos esses: o género literário "evangelho". O evangelho é um género literário próprio que é escrito com o fim de levar os leitores à fé, a aderir à pessoa de Jesus Cristo.

É por isso que os quatro evangelistas canónicos não contam todos os pormenores da vida de Jesus: fazem apenas uma selecção que sirva esse seu fim de chamar à fé. E por isso é com grande pena da nossa parte que vemos serem omitidos pormenores que satisfariam a nossa curiosidade: não sabemos, embora gostássemos muito, como foi a vida de Jesus até aos trinta anos e nem sequer sabemos qual era o seu aspecto físico. É, de facto, pena, mas isso não interessava aos evangelistas: era bom para satisfazermos a curiosidade, mas é irrelevante no que toca a introduzir o leitor na fé levando-o a ver em Jesus o Filho único de Deus, o único Salvador e a aderir a Ele (não só à Sua mensagem ou à Sua moral, mas também à Sua Pessoa!) com toda as forças e de todo o coração. Isso é muito mais importante, e era isso que interessava aos autores sagrados

Algumas informações que haja no sentido de satisfazer a nossa curiosidade sobre pormenores da vida de Jesus, em especial acerca da infância, são baseadas, normalmente, em tradições apócrifas. Sei, por exemplo, que há uma tradição apócrifa que diz que São José morreu quando Jesus tinha 19 anos... ou que Jesus, em criança, para se divertir, brincava fazendo passarinhos de barro aos quais depois dava vida...

A Igreja não proibe a leitura dos evangelhos apócrifos como leitura piedosa (sempre pessoal), embora considere que só os 4 evangelhos canónicos é que são Palavra de Deus. E isto desde o princípio (séc. II, pelo menos, ou seja, logo pouco depois da formação dos últimos livros do Novo Testamento). De facto, desde muito cedo que escritores eclesiásticos dos mais autorizados nos transmitem que nas suas comunidades são lidos estes e aqueles livros (os canónicos), pelo que é possível fazer listas dos livros bíblicos que desde o início da Igreja foram considerados canónicos pelas diversas comunidades: os que eram lidos na liturgia, os que eram apresentados como Palavra de Deus.

Claro que ninguém nos impede de levantar hipóteses com base noutras fontes históricas (profanas, da história civil) e arqueológicas ou em suposições lógicas. Por exemplo, há quem defenda que Jesus era fariseu, apesar de criticar tanto os fariseus... O Evangelho não diz nada sobre isso, mas podemos colocar a hipótese: apesar de criticar o legalismo dos fariseus (eles levavam tudo à letra, por vezes hipocritamente), Jesus diz que existe ressurreição dos mortos, tese que também era defendida pelo partido dos fariseus, por oposição ao partido dos sadudeus, os quais negava a ressurreição. Jesus aparece mesmo em confronto com os saduceus nesta questão (Marcos 12, 18-27). Mas certezas sobre se Ele sempre era ou não fariseu...

Sem comentários: