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Quando
Lhe puseram a cruz aos pés, Jesus
ajoelhou-Se e abraçou o instrumento de suplício beijando-o por três vezes. Em
voz baixa, dirigiu ao Pai um amoroso agradecimento por ter chegado a hora da
redenção da humanidade.
Soou o clarim da
cavalaria de Pilatos
para dar início ao cortejo. Um dos
fariseus aproximou-se de Jesus, ainda ajoelhado no chão com o madeiro ao ombro
e disse-Lhe:
–
Já chega de rezas! O caminho é para a
frente!
E obrigaram-no a levantar-Se com violência,
sentindo nos ombros, já flagelados, todo o peso da cruz, essa cruz que nós, os
que dizemos querer segui-l’O, devemos também levar, conforme Ele nos disse. Tal como Isaac levando a lenha para ele mesmo
ser sacrificado, assim o Salvador seguiu o caminho com a cruz às costas.
(entra o andor da
imagem do
Senhor dos Passos)
Segue
com a cruz às costas, mas já hoje passou por muito… Alguns homens, vindos de fora, ao passarem, vendo tal espectáculo ficam
horrorizados. O Corpo Santíssimo de Jesus, chicoteado com flagelos que
arrancavam carne, tornou-Se numa só chaga
viva. Jesus, que quase não Se consegue arrastar, sem comer e sem dormir,
com as vestes coladas às chagas da flagelação, tendo perdido muito sangue, reza pelos que O maltratam. No caminho do
Calvário, Jesus não encontrou senão escárnios e crueldade; mas Ele reza. Cada
vez que cai, os carrascos enchem-nos de
insultos e agridem-nos com pancadas. Os fariseus gritam:
–
Levantem-n’O, senão morre-nos antes de poder ser crucificado!
A rua por onde
passa é estreita e suja, e nela tem muito que sofrer. As pessoas que estão em
casa injuriam-n’O das janelas. Os escravos atiram-Lhe com lama e imundícies. E
até as crianças, que Jesus tanto ama, juntando pedras, atiram-Lhe com elas, ou
põem-Lhas diante dos pés.
O
Seu belo rosto, agora desfigurado pelos golpes, mete repugnância de tão
maltratado que está, “perdeu toda a aparência de um ser humano” (Is 52, 14). Causa-nos
repulsa, vemos “nEle um homem castigado, ferido por Deus e humilhado”. Mas o
Sangue “que Lhe afoga a fronte” é “chuva de perdão” (Cf. Moreira das Neves).
“Ele foi trespassado por causa das nossas culpas e esmagado por causa das
nossas iniquidades” (Is 53, 4-5), aquelas que nós não choramos mas devíamos.
Foi preciso que Ele nos aparecesse desfigurado pelos nossos pecados para,
finalmente, percebemos como eles são feios. E nós, tantas vezes, em vez de
chorarmos as nossas culpas, choramos aquilo que já não nos pertence. Estupidamente,
choramos por servir a Cristo; choramos estultamente, como se os pecadores é que
fossem uns privilegiados.
Quando o toque
do clarim deu o sinal de partida para o Calvário, a Santíssima Mãe não pôde
resistir ao desejo de tornar a ver o seu Divino Filho e pediu a São João que a
acompanhasse a um dos lugares onde Jesus haveria de passar.
(entra o andor da
imagem de
Nossa Senhora)
Ao
abrigo daquela porta, na rua onde Jesus havia de passar, Maria está lá, embrulhada no seu manto azul acinzentado, pálida, com os
olhos vermelhos das lágrimas. Diz ela a São João:
–
Convém que eu assista a este espectáculo, ou
devo retirar-me? Terei forças para suportar a vista do meu Jesus?
Homens
insolentes e triunfantes, vêm à frente, trazendo os instrumentos do suplício:
–
Quem é aquela mulher que se lamenta?” –
perguntam os soldados.
–
É a Mãe do Galileu.
E atormentavam a
Mãe Santíssima com zombarias, apontando-a com o dedo. Um deles pega nos cravos
que hão-de de pregar Jesus no madeiro, mostrando-os com ar de escárnio à Mãe
dolorosa.
Finalmente,
aparece Jesus, vacilante e curvado ao
peso de tão dolorosa carga. Ao voltar para Sua Mãe os olhos cheios de
compaixão, tropeçando, cai sobre os joelhos e mãos. Maria, na violência de tão
grande dor, nem olha para soldados nem algozes: não vê senão o Seu Filho muito
amado e, saindo do portal onde estava, lança-se para o meio dos archeiros que
maltratam Jesus. Caindo de joelhos aos pés d’Ele, aperta-O ao coração.
–
Meu
Filho!
–
Minha
Mãe!
No meio da
confusão, São João e as santas mulheres querem levantar Maria. Os carrascos
injuriavam-na. Diz-lhe um deles:
–
O
que é que vieste para aqui fazer, mulher? Se O tivesses educado como devia ser,
não estaria agora aqui nas nossas mãos.
Alguns soldados comoveram-se; outros repeliram
a Virgem Santa, mas nenhum lhe tocou.
No
Calvário, Maria, as outras mulheres e São
João estavam junto à cruz, de olhos fixos no Senhor. Maria, movida pelo amor de Mãe, pedia interiormente a Jesus que a deixasse
morrer também com Ele. Mas, com
ternura, o Senhor olhou para a Sua Mãe e, volvendo os olhos para São João,
disse:
–
Mulher, eis o teu filho.
Depois disse a
São João, Seu discípulo predilecto:
–
Eis
aí a tua Mãe.
A Virgem
Santíssima ficou abalada mas comovida com tão solenes disposições do Filho
moribundo…
Na
cruz ganhámos uma Mãe. Todos nós, discípulos de Cristo, ali estamos
representados em São João, o discípulo predilecto de Jesus. Pela cruz,
tornámo-nos filhos do Pai do Céu e, por isso, irmãos de Cristo. Porque somos
irmãos de Cristo, a Sua Mãe e também nossa Mãe.
“Lembrai-vos
que não foi por coisas corruptíveis, como prata e ouro, que fostes resgatados
dessa vã maneira de viver […], mas pelo Sangue precioso de Cristo, Cordeiro sem
defeito e sem mancha.” (cf. 1 Pedro 1, 18-21). Vã maneira de viver é viver como
se Deus não existisse. Dessa maneira vã de viver é que podemos ser hoje
resgatados. E não é por prata nem ouro que somos resgatados, mas por um preço
muito mais precioso, inestimável: o Sangue de Cristo! Nunca mais desperdiçar
gota nenhuma desse Sangue preciosíssimo! Nunca mais viver como se Deus não
existisse! Nunca mais viver a não ser como cristão! Se escolhemos Cristo, chega
de invejar o que ficou para trás. Não vale a pena chorar: escolhemos a melhor
parte!
Jesus
morreu: segui-l’O é renúncia. Jesus ressuscitou: segui-l’O é viver uma vida
nova.
Pampilhosa da Serra, 29-03 2015
Padre Orlando Henriques